segunda-feira, 1 de junho de 2009

Pedras com inscrições Fenícias no Brasil

A inscrição fenícia da Paraíba (1871)

Em 1871, o IHGB recebeu uma carta vinda de uma localidade chamada Paraíba (existem várias regiões, cidades e rios com esse nome no Brasil). A mesma descrevia o encontro de uma grande laje na fazenda de Joaquim Alves da Costa, onde existiriam letras misteriosas, que foram copiadas pelo filho do fazendeiro e enviadas à capital. O então diretor do Museu Nacional (RJ), o arqueólogo Ladislau Neto, enviou aos jornais uma tradução dessas letras, que descreveriam uma expedição saída da cidade de Sidon (na Fenícia), durante o reinado de Hiram I, que se perdeu e veio parar no Brasil. A notícia correu o mundo, sendo noticiada por diversos periódicos e por grandes autoridades. Em 1874 os epigrafistas S. Euting e Schlottmann demonstraram que a inscrição era uma fraude. O próprio Ladislau Neto admitiu o seu equívoco no ano de 1885, em uma carta enviada à maior autoridade em feniciologia do século XIX, o francês Ernest Renan (Neto, 1885). Os membros do IHGB e do Museu Nacional tentaram localizar a fazenda onde havia sido realizada a descoberta, mas foi constatado que Joaquim Costa e sua fazenda não existiam. Foi um embuste realizado com a intenção de desmoralizar a academia imperial ou ao contrário, glorificar algum de seus membros. Nesta última hipótese, a maioria dos pesquisadores sempre considerou que Ladislau Neto teria feito a fraude. Mas segundo nossos estudos, a inscrição da Paraíba possivelmente foi executada pelo arqueólogo e epigrafista francês Conde de La Hure. Uma vingança pela falta de incentivo financeiro do IHGB às suas pesquisas na pré-história de Santa Catarina (Langer, 2000, p. 80-90). No século XX, alguns estudiosos declararam que a inscrição da Paraíba era verdadeira, como o norte-americano Cyrus Gordon. A polêmica prossegue até hoje.

A pedra de Diamantina (1970)

Na cidade de Diamantina (Minas Gerais), o sr. Jair Emídio Ferreira mudava o assoalho de sua casa, quando subitamente encontrou um estranho objeto: uma pequena rocha do tamanho de um prato, com desenhos e letras esculpidas em sua face. Jornais locais e nacionais da década de 1970 noticiaram com grande alarde que este vestígio teria origem fenícia. Segundo nossas análises, a figura tenta imitar uma espécie de sacerdote fenício-semita e as letras uma mistura do alfabeto hebraico com o latim: trata-se de uma fraude muito mal realizada que não despertou maiores atenções dos acadêmicos. A pedra de Diamantina encontra-se atualmente desaparecida. Segundo notícias veiculadas na região, ela teria sido vendida por Jair Ferreira para um colecionador norte-americano.

A pedra de Gaspar (1972)

No sítio arqueológico denominado Sambaqui de Poço Grande (Gaspar, SC), propriedade de Olimpio Hanemann, foi encontrada uma rocha com traços de alfabeto paleo-semítico. No dia 28 de junho de 1972 a imprensa local noticiou a descoberta do vestígio, afirmando tratar-se de uma promissória fenícia. Segundo o professor Evaldo Pauli da UFSC, estas inscrições poderiam constituir a prova de que navegantes semitas estiveram antes de Cabral no nosso país, tese compartilhada pelo frei Simão Voigt (RJ), ambos em meados da década de 1970. Após muitos anos de debates e especulações, o renomado epigrafista Frank Moore Gross (Universidade de Harward) declarou que tratava-se de uma falsificação. O autor da fraude teria modificado as letras de um conhecido documento semítico, a inscrição Baal Libanon. O paradeiro atual da pedra de Gaspar é o Museu do Homem do Sambaqui, em Florianópolis (SC). Infelismente a pedra nunca recebeu maiores atenções dos acadêmicos. Diversos pesquisadores do Brasil, como o neo-difusionista Luis Galdino, defendem uma maior investigação desse misterioso objeto.

A hipótese da vinda de fenícios ao nosso país é conhecida desde a colônia, mas somente estes três casos constituem (ou poderiam constituir) uma evidência arqueológica desse antigo mito. A famosa pedra da Gávea é descartada, porque já foi evidenciada sua origem natural.

AGRADECIMENTOS:
Ao historiador Luis Galdino (Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo), pelas fotos e informações enviadas.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
LANGER, Johnni. Mito, história e literatura: as cidades perdidas do Brasil. História e Perspectivas (UFU), Uberlândia, n. 14, p. 67-83, 1996a.
_____ A Esfinge atlante do Paraná: o imaginário de um mito arqueológico. In: História, questões e debates (UFPR), Curitiba, ano 13, n. 25, p. 148-163, 1996b.
_____ As cidades imaginárias do Brasil. Curitiba: Secretaria de Cultura do Paraná, 1997a.
_____ Mitos arqueológicos e poder. Clio - Série Arqueológica (UFPE), Recife, v. 1, n. 12, p. 109-125, 1997b.
_____ O mito do Eldorado. Revista de História (USP), São Paulo, n. 136, p. 25-40, 1997c.
_____ O megalitismo na pré-história brasileira. Revista de Arqueologia (SAB - Sociedade Brasileira de Arqueologia), Rio de Janeiro, vol. 10, 1997d.
_____ Enigmas arqueológicos e civilizações perdidas no Brasil novecentista. Anos 90 (UFRGS), Porto Alegre, n. 9, p. 165-185, 1998.
_____ As origens da arqueologia clássica. Revista do Museu de Arqueologia e Etnologia (MAE - USP, Universidade de São Paulo), São Paulo, n. 9, p. 95-110, 1999.
_____ Ruínas e mito: a arqueologia no Brasil Império: 1840-1889. Tese de doutorado em História, Universidade Federal do Paraná. Curitiba, 2000. Mimeo.
_____ Origens da egiptologia. Espaço Plural, (Cepedal/Unioeste - Universidade Estadual do Oeste do Paraná), Marechal Cândido Rondon, ano III, n. 7, março 2001a.
_____ A origem do imaginário sobre os vikings. Espaço Plural, (Cepedal/Unioeste - Universidade Estadual do Oeste do Paraná), ano III, n. 8, agosto 2001b.
_____ Os enigmas de um continente: as origens da arqueologia americana (1750-1850). Estudos Ibero-Americanos (PUCRS), vol. XXVII, n. 1, junho 2001d.
_____ Os vikings no Brasil: origem e significado de um mito arqueológico. Locus (UFJF). No prelo.
_____ A pedra da Gávea e o imaginário arqueológico do império. Estudos Históricos (UFRJ). No prelo.
_____ O caso da pedra fenícia da Paraíba e outras polêmicas arqueológicas do Império. Revista de História (Unesp). No prelo.
_____ A cidade perdida da Bahia. Revista Brasileira de História (USP). No prelo.

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